quarta-feira, novembro 29, 2006

A queda livre de um mito

Eu tenho um grave problema pessoal com o Eusébio.

Quando eu digo Eusébio refiro-me ao "EUSÉBIO", Eusébio da Silva Ferreira, o Pantera Negra, glória maior do meu Benfica e também do desporto nacional. Eu sei o nome completo dele mas ele não sabe o meu, o que na minha ideia não é nada bonito. E não é bonito porque ele é directamente responsável por dois dos momentos mais humilhantes de toda a minha vida.
Lanço aqui o repto: - Eusébio, se eu me tornar um falhado a culpa não será minha mas exclusivamente tua! Agora vive com isso!
Eu acho que ele nem se importará com esta triste premonição. Passo a explicar porquê...

Num flashback até ao ano de 1995, o pequeno e anafado Andrézinho dirige-se ao Estádio da Luz para assistir a um jogo de antigos maestros do "desporto rei", ladeado do pai e do avô. O pequeno e anafado Andrézinho respirava futebol a cada minuto, benfiquista convicto endeusava o grande Eusébio. Foi uma tarde bem passada, com muita alegria e excitação à mistura, pode dizer-se que a criança estava no seu "happy place". No final da partida, o pequeno e anafado Andrézinho mais meia dúzia de rapazinhos procederam à habitual "caça ao autógrafo" e o seu alvo era um e só um: o rei Eusébio. Nenhum de nós levava um bloco próprio para o efeito, tudo o que tínhamos era um punhado de folhinhas soltas para receber a assinatura do nosso ídolo. Mas isso não fazia esmorecer em nós, jovens de sorriso aberto e olhar decidido, a vontade de homenagear alguém que morava nos nossos corações.
- Ali está ele! Sigam-me! - dizia o pequeno e anafado Andrézinho enquanto começava a correria, coisa que, dada a sua condição física de badocha, não efectuava por qualquer pessoa. - Ali está o nosso amigo! O nosso Eusébio! O MAIOR!
Corríamos para ele, como que em câmara lenta, soltávamos gargalhadas e estávamos felizes...
Foi então que Eusébio, com maus modos, nos afastou a nós anjinhos de olhos lacrimejantes e disse no mais perfeito criolês:
- Más vocês trazem aqui fôlhas sôltas pára eu ássinár! Eu não ássino em quálquer côisa!
Ora, tirando um agente imobiliário que lá se encontrava disfarçado de criança a pretender a assinatura de Eusébio em papéis legais para lhe usurpar a casa, todos os miúdos ficaram muito desiludidos. O pequeno e anafado Andrézinho teve de contentar-se com assinaturas de figuras menores da História do futebol como José Augusto, Bento ou Di Stefano... enfim, uma miséria. Porém, não desistira do seu objectivo. O pequeno e anafado Andrézinho entendera que o grande Eusébio só iria escrever-lhe uma dedicatória em papel bordado a ouro e com selo real... do Condado Portucalense, coisa portanto para ter uns séculos. A família da criança providenciou prontamente um bloco com papel desta natureza. Os seus pais venderam o carro e as propriedades, os seus avós passaram duas temporadas em França na apanha da maçã e o pequeno André perdera a alcunha de anafado ao passar três anos a alimentar-se apenas de laranjas... tudo para conseguir a verba necessária. Quatro anos mais tarde, o jovem André desloca-se novamente ao reino das águias para ver o Benfica treinar e conseguir o tão desejado autógrafo. Com aquela idade os rapazes perseguiam miúdas ou torturavam pequenos roedores... o jovem André não. O jovem André só pensava em obter a assinatura do Pantera Negra. Eusébio lá estava no relvado, fingindo que auxiliava o treinador, a efectuar tão bem a sua tarefa de estar sentado no banco a não fazer nada. "- Lá está ele!" - pensava insistentemente o jovem André já entusiasmado. No final do treino, o assédio à velha glória começava a condensar-se junto à saída do relvado. O jovem André aproveitava-se do facto de ter mais meio metro que a maioria dos caçadores de autógrafos lá presentes para conquistar, à base de lambada, o primeiro lugar do grupo. Eusébio recolhera-se nos balneários, os minutos passavam e ele não aparecia. O desespero parecia querer apoderar-se mas o jovem André resistia-lhe como um guerreiro. Foi então que, como Luís de Matos vindo do nada, Eusébio apareceu exibindo as duas mãos envoltas em ligaduras. Dizia, solenemente, que não iria poder assinar um único autógrafo. Eusébio estava portanto a tentar convencer os seus fãs que partira as duas mãos enquanto as conservava nos bolsos do blusão e repousava no banco de suplentes durante o treino. Foi aí que o jovem André disse "- BASTA!". Talvez se se tivesse feito acompanhar de uma grande embalagem de tremoços e a oferecesse a Eusébio para que fizesse uma mariscada com a família e os amigos... talvez assim tivesse conseguido aquilo para o qual tanto lutou.

Estas histórias são verdadeiras e, apesar disto poder surpreender a maioria dos leitores, eu fui o pequeno e anafado Andrézinho e, mais tarde, o jovem André. Tenho andado em terapia desde então, embora confesse que os progressos não têm sido significativos. Este homem é responsável por todo o meu historial violento e indigno, por todas as minhas fobias e pelos pesadelos sem fim. Odeio-te Eusébio.

1 comentário:

Anónimo disse...

Isto está excelente .. diverti-me imenso ao imaginar o Andrézinho anafado a correr. Rapaz tiveste um triste passado, mas agora (espero) que estejas num bom caminho, o reconhecimento do passado, e falares dele com a sociedade é um grande passo .
(Esta personagem dava um excelente cartoon)
Mima