domingo, fevereiro 25, 2007

uma estranha obsessão

Do alto da sua varanda, Eugénio Incenso acompanhava de binóculos em punho a entrada dos familiares e amigos de V2307 no cemitério. Atrás do caixão que era levado em ombros por seis dos oito filhos do defunto, seguia uma comitiva que se estendia por algumas dezenas de metros.
Eugénio Incenso assista com atenção a tudo o que acontecia, maravilhado com o seu segredo, babando-se e contorcendo nervosamente o seu esguio pescoço. Eugénio Incenso estava prestes a assistir ao enterro da sua vigésima terceira vítima do presente ano.
Munido com os seus binóculos, distinguiu o encontro do Padre com o coveiro. Ficou excitadíssimo, grunhindo e salivando como um animal. No seu queixo acumulava-se baba com uma espécie de espuma.
Junto à fresca sepultura aglomerava-se uma massa compacta de gente, da qual Eugénio Incenso apenas conseguia distinguir o Padre. E era o que lhe interessava, já que Eugénio Incenso esperava as ordens deste para o seu espectáculo.
E assim foi, conforme o Padre ordenou a abertura do caixão, Eugénio Incenso, tal qual uma tradição, começou a tocar piano. Tocou uma música ao acaso, não com os seus dedos, mas com os dois maiores dedos da sua vítima, que nesse momento se encontrava defunta à vista de todos. Eugénio Incenso martelava louca e ferozmente as teclas do piano com os dedos de V2307: na mão esquerda segurava o maior dedo da mão esquerda do cadáver, enquanto que na mão direita se perdia o dedo correspondente.
Do piano soltava-se uma música que chorava mais alto que as lágrimas dos familiares e amigos de V2307.
Contorcendo a cabeça, Eugénio Incenso espalhava baba por si e pelo piano, levando muitas vezes os dedos do falecido à própria boca e narinas. Lambia-os e declamava para estes dedos. Nestes momentos, construía pelo seu rico imaginário poemas que espelhavam a sua obsessão, berrando com quantas forças tinha a sua liturgia:
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Queridos dedinhos,
Os raminhos da virgem que te abracem,
pois só nela vocês devem confiar,
foi ela quem vos deu a mão, é vossa mãe.
Queridos dedinhos queridinhos,
Os ramos das virgenzinhas com colmeias,
Haja basalto e sangue de vinho,
Ao menos que vomitem a meias.
Do cascalho podre
Brota livre um leite azedo,
Pelo consumidor é mexido à pressa
Unicamente pelo desunhado dedo.
Quiquinhos suininhos
Pipinhos voszinhos,
Por dedadas sujos em vidros
Dedinhos aos saltinhos.
O nosso caminho não sabemos,
O destino fala ausente,
Só deus o apontou por si,
Obrigadinhos dedinhos presente.
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Toda esta cerimónia durava até que o coveiro acabasse o seu trabalho. Nessa altura, Eugénio Incenso, calçando as suas meias como luvas, arrancava com uma trinca as unhas de cada dedo, cuspindo-as a partir da sua varanda.
Por fim benzia-se e guardava os dedos da sua vítima numa caixinha de fósforos, a qual era colocada junto das restantes. Neste caso, junto das vinte e duas restantes, correspondentes às anteriores vítimas.
Todas juntas, lado a lado, tal qual uma colecção, estas caixinhas de fósforos conservavam religiosamente os dedos, os quais apontavam sempre para o edifício do Instituto de Medicina Legal, onde Eugénio Incenso trabalhava.

2 comentários:

André Oliveira disse...

Pois pa agora percebo a ausência da Mariana nas últimas reuniões do núcleo...
Ehpa isto ta mt bom, mt twisted mesmo... só tu!
E axo q se o tema é obcessões não podia estar melhor... m parece q ainda há um mais puxadinho.

Mete aki!

Belle Chior disse...

meter aki?? mas... mas... se já perdemos a Mariana, queres perder o núcleo todo? :|